quinta-feira, 26 de maio de 2011

Memórias Adversativas - O depois!


Por Krika Gomes 13/05/08 

MEMÓRIAS ADVERSATIVAS

O DEPOIS
                                                                       (In memoriam  a um parentesco)
A morte é algo que ainda não entendo. Por vezes não aceito. É minha finitude. Minha certeza. Talvez a única que eu não gostaria de ter. Somos finitos, limitados, impotentes diante dessa grandeza inexplicável, que nos assalta num de repente, numa surpresa desagradável. Então num momento de eufemismo a denominamos perda. Então perdi. Nunca mais o sorriso, o som da voz, o cabelo ao vento, nunca mais aqueles olhos castanhos claros que brilhavam com os raios de sol de inverno. Nunca mais aquele aperto de mão, com as unhas roídas até a carne, exatamente naquela hora de precisão. Os temores, naquelas horas de carências, quando os afetos estão descontrolados ou distantes, agora serão encarados, sofridos, vividos sem aqueles que, dolorosamente, perdi.  Uma dor tão imensamente forte, que não nos permite respirar. O céu perde o brilho, nada ouvimos, o mundo para e a vertigem nos embala. Perdemos o chão. Choramos o choro da dor, da perda. Depois, seguimos amarelos, sem graça, apáticos pela impotência. Nada podemos contra ela. Sobreviveremos até chegar a nossa partida. Que também será uma surpresa desagradável para alguém. Mas sobreviverão.
Sinto tanta falta dos que perdi. Silêncio, apenas silêncio é o que tenho de feed back. Nenhuma resposta às minhas súplicas. Não os ouço mais.  E o som daquela voz que me acalmava, calou-se, simplesmente. E isso é tudo que tenho comigo: silêncio. Nunca mais. A eternidade ainda me é desconhecida. Quem sabe lá talvez um dia. O mundo ficou gris. Estou dividida entre dois mundos.
Com a maturidade, nos longos anos que vivi sem aqueles que, sem minha permissão, perdi, ainda sinto falta, mas a dor, consumida dia a dia, essa cessou, abrandou-se, é cicatriz. Mas está lá marcada como tatuagem na alma, na mente, no cuore. Mas aprendi a sobreviver num dos mundos obrigatórios. Sou menos que fui, sou mais que queria ser, fiquei pela metade. E metade de mim chora a perda, metade de mim espera a eternidade. A vida parece que tem outro brilho. E assim seguimos, a humanidade caminha lentamente no caos. O século recém-chegado nos trouxe a angústia feroz dos temores insanos contra os iguais. Somos realmente iguais? Essa chamada vida, oposto não excludente da chamada morte, tem pouco valor neste século. Já não somos, temos. Nunca o verbo ter teve tanto valor, foi tão conjugado e almejado. Em todos os tempos e modos verbais. Então vem a pergunta: o que tenho? Se um dia fui, hoje nada tenho.  Palavras. Silêncio.
Passei uma grande parte de minha vida esperando chegar onde estou, e agora não sei mais onde quero chegar. Tenho medo. A certeza de que estou indo contra o tempo me assusta. Não quero me perder também. Perdas são doloridas. Mas também não quero ficar para sempre. Quero virar purpurina, brilhar na vida de alguém para a eternidade. Purpurina gruda na pele. Tenho anseio de algo fazer por mim, orgulhar-me de mim mesma, sentir-me o mais brilhante dos seres, porque quero ser. Mas como serei se não sei onde quero chegar e nada tenho? Perdi meu ponto de fuga. Não visualizo o túnel que deveria me apontar a luz em seu final. Mas era outono...
Os dias acinzentados, frios, úmidos nos convidam á reflexão, à preguiça capital. Assim começam as manhãs outonais. Lá pelo meio-dia o sol desponta, devagar, tímido, afastando as nuvens e os pensamentos insólitos, obsoletos. Meu caquizeiro-lutador, nu, ressequido, sem sua plumagem esverdeada, parece uma alma que se despoja das inverdades, para renascer na primavera. Assim estou eu. Mas ainda não é primavera...
Despertar-me-ei na primavera, em flores tímidas, mas coloridas, perfumadas em meio ao nada. Mas lá estarei. Muitas promessas a serem cumpridas, promessas que me fiz. Palavras ainda não ditas, amores não vividos, afetos ainda não despertados. Mas até lá, tenho o tempo de inverno. Estações intermediárias, preparatórias, filosóficas. Mas, até lá, esperarei...


krika revisitado em 07/08/2014

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